Jornal i: 'Cristina Rodrigues: 'Portugal tem um machismo sistémico e cultural'

Jornal i: 'Cristina Rodrigues: 'Portugal tem um machismo sistémico e cultural'

  • Terça-feira, 06 de Julho de 2021

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“Quero continuar a lutar”, garante a deputada que há um ano saiu do PAN. Soma 30 projetos de lei e cerca de 180 questões ao Governo. 

O que recorda da sua infância?

Nasci em Lisboa, mas cresci no Seixal e, até hoje, vivo lá. A minha infância foi absolutamente normal e os meus grandes amigos são dessa época. Conhecemo-nos nas escolas básica e secundária.

Tentou ser economicamente independente desde jovem. Aos 16 anos, num verão, trabalhou numa loja de roupa. 

Isso foi fundamental para mim. O meu pai é um bocadinho conservador, digamos assim, e ele nunca quis que a minha mãe trabalhasse. Sempre achei que isso limitava a independência dela. Sempre disse que, assim que pudesse, teria um emprego. Então estive nessa loja, voltei à escola e, desde os 17 anos, nunca parei.

Como é surgiu o interesse pela política?

Não tenho políticos na minha família, portanto, não há um histórico. Os meus pais têm opinião, mas nunca se envolveram em qualquer projeto.

Estudar Direito sempre foi um objetivo?

O meu caminho sempre foi muito centrado nessa área. No Ensino Secundário, havia a possibilidade de ter uma disciplina de Introdução ao Direito como opcional e foi o que escolhi. Confirmei que realmente queria fazer aquilo. Queria contribuir para a sociedade e, do meu ponto de vista, o Direito é uma ferramenta essencial. Concorri, entrei e, desde aí, tenho trabalhado de inúmeras formas pondo o Direito ao serviço das pessoas.

Foi interventiva ao nível do movimento estudantil?

Devia ter 18 anos quando me voluntariei para a Associação de Proteção Animal de Almada, o canil da Aroeira, onde ainda hoje estou. É claro que estive mais ativa numas fases do que noutras, mas também tratava dos animais, tentava encontrar famílias adotivas, etc. Tirei o curso, fui ajudando algumas associações com os meus conhecimentos jurídicos. Houve uma altura em que estava a fazer o estágio e senti-me um bocadinho desiludida com o Direito. Quando estamos a trabalhar, percebemos que não defenderemos sempre as melhores pessoas ou causas. Lembro-me perfeitamente de ter pensado “já que tenho de estagiar, vou voluntariar-me para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e para a Quercus”. Na primeira, durante seis meses, fiz atendimentos telefónicos e presenciais. Depois, fiz trabalhos pro bono como advogada. Na segunda, nunca fui voluntária porque contrataram-me e foi uma experiência muito interessante porque tive a oportunidade de estar associada a um projeto sobre responsabilidade ambiental. Todas as denúncias de atentados ambientais passavam por mim, ou seja, tinha muita noção dos recursos que eram mais afetados. Por exemplo, recebia uma denúncia de descargas ilegais e fazia o registo. A seguir, uma de queima de resíduos e registava-a também. Ao final do ano, sabia o número exato de denúncias recebidas e aquilo a que se referiam. Fiquei com uma sensibilidade ainda maior para a questão ambiental e foi assim que decidi fazer um mestrado em Direito na vertente do Ambiente e Recursos Naturais. Ainda não o terminei porque entreguei a tese e nunca a defendi.

Tem sempre variados projetos em mãos.

 Marcaram-me a defesa da tese, se não estou em erro, para um ou dois dias antes das eleições de 2015. Eu era candidata e, na altura, perdi o adiamento. Aceitaram e nunca mais marcaram a nova data. Foi passando o tempo. São aprendizagens.

Como foi o primeiro contacto com as vítimas de violência doméstica?

Foi em 2012. Havia histórias de partir o coração: idosos que contactavam a APAV porque eram agredidos pelos filhos, por exemplo. Isto é muito triste porque os pais, mesmo nessas circunstâncias, nunca queriam prejudicar os filhos e, portanto, não faziam queixa. Tentava perceber que tipo de agressões eram levadas a cabo, se havia familiares que pudessem prestar apoio e abertura por parte dos filhos para terem sessões de psicoterapia... Queria que concordassem com alguma medida. Tem de ser a própria vítima a fazer queixa e aquilo que eu fazia era esclarecê-las e dar-lhes ferramentas para avançarem se quisessem. Ainda existe uma ideia, que não é correta, que a violência só acontece no seio de famílias mais carenciadas e nunca naquelas com mais condições financeiras e formação académica. Acontece a pessoas de todos os estratos sociais e com todo o tipo de percursos. Também atendi alguns homens, embora em muito menor número e gravidade. Eram situações assustadoras ao nível da violência psicológica.

Alguma vez questionou a sua capacidade para lidar com este crime?

 Não. Até na associação de animais, onde apareciam casos dramáticos em que os animais estavam num estado terrível, a opção nunca passou por desistir. Precisamente por causa destas situações é que quero continuar a lutar.

Desde que deixou o PAN, apresentou mais de 30 projetos de lei, 40 projetos de resolução e cerca de 180 questões. O que é que esta desvinculação tem significado?

Trabalhei muito, foi muito gratificante e envolvi-me em iniciativas legislativas que, para mim, foram absolutamente marcantes e fundamentais, como a alteração do estatuto jurídico dos animais ou o fim dos abates dos canis municipais. Redigi as iniciativas, acompanhei os deputados nas comissões... Tive um crescimento enorme a nível pessoal e profissional. Obviamente que o facto de ter sido chefe de gabinete durante quatro anos deu-me ferramentas acrescidas ou, pelo menos, um à-vontade um pouco maior para conseguir, apesar das dificuldades, fazer um trabalho que considero bom. Tento que tenha qualidade em todas as vertentes. O meu background ajudou-me, mas ter saído – com os problemas e as circunstâncias conhecidos – faz-me sentir completamente livre não só para cumprir o programa eleitoral mas também para ouvir as pessoas e perceber que anseios e problemas têm. Quando surge um tema novo, tento dar resposta ao mesmo.

Por exemplo, foi a primeira a reagir quando um jovem admitiu ter violado uma amiga numa transmissão em direto, no Instagram, em fevereiro.

A violência contra as mulheres ainda não está devidamente percecionada pela sociedade e há muitas pessoas que não entendem o impacto dos seus atos. A questão da partilha não consentida de conteúdos íntimos faz parte da violência de género e, por isso, é desvalorizada. Por isso é que ainda não conseguimos que os crimes sexuais sejam públicos: são considerados questões pessoais. Temos de falar do assunto e garantir às vítimas que estão num ambiente seguro para, se quiserem, denunciarem os agressores. Nesse vídeo, que depois se veio a verificar que podia ser eventualmente uma coação, ele falou do assunto de uma forma desprovida de qualquer consciência. Centenas de pessoas estavam a assistir ao vídeo e ele frisou que a rapariga tinha ficado estendida no chão à espera do INEM. Parecia um grande feito. É arrepiante.

Acusou a liderança do PAN de a silenciar e condicionar a sua capacidade de trabalho.

Não me importo de falar sobre isto, mas não quero que as pessoas se foquem nesta questão. Houve uma mudança muito grande quando passámos de um deputado para um grupo parlamentar. A dinâmica interna do partido modificou-se e, depois, problemas internos levaram à saída do Francisco Guerreiro e tomadas de posição em relação à mesma. Quem não concordasse com determinados elementos da direção era, de algum modo, silenciado e colocado de parte. Como não me alinhava com atitudes que achei e continuo a achar que não se coadunam com os valores do PAN, saí. Na prática, comparando os dois anos que já tenho como deputada, acho que o meu trabalho é muito diferente nos dois tempos. Isso reflete a falta de condições para trabalhar que se verificava.

Um dos diplomas que deu mais que falar foi o da proibição das terapias de reconversão para pessoas LGBTI. Pode haver criminalização, mas acabarão definitivamente?

 Recebi muitos comentários de pessoas a explicarem que não faziam ideia de que isto existe no nosso país, mas também contactos de pessoas que agradeceram a minha posição porque passaram por estas “terapias”. É importante trazermos o assunto para cima da mesa para consciencializarmos a população desta prática e das suas consequências. O facto de criminalizarmos nunca erradica uma prática, mas demonstra que a própria sociedade a pune e censura quem a cometer. Obviamente que há um efeito dissuasor porque haverá quem tenha medo de arriscar, embora outros continuem a fazê-lo. A própria ONU recomendou que todos os países proibissem esta prática. Portugal não tem qualquer legislação relativa à mesma, mas tem pareceres das Ordens dos Médicos e dos Psicólogos que sublinham que isto não é uma terapia: a pessoa não está doente. No entanto, há profissionais que continuam a trabalhar desta forma. Tem de se levar este assunto à Assembleia da República, expô-lo e aprofundá-lo para evitar que haja mais vítimas. O Bloco de Esquerda também propôs a criminalização e penso que o PS ponderou seguir o mesmo caminho. Isto é extremamente positivo, mas, por outro lado, acho que alguns deputados podem não ter noção das implicações desta prática. Tenho esperança de que mostrando os dados, os pareceres e os estudos científicos, conseguiremos avançar nesta matéria.

Defendeu o reconhecimento do direito ao luto de quem sofre perda gestacional. Esta questão é subvalorizada?

Não sou mãe e não tenho intenção de ser, mas foi uma das iniciativas que mais me tocaram por causa dos relatos que recebi, dos contactos que tive com associações e de pessoas que me enviaram livros sobre a sua história. Na Assembleia da República, uma funcionária veio falar comigo porque tinha passado por isto. Na discussão do projeto de resolução – queria que houvesse quartos separados, nos hospitais, para as mulheres que sofrem a perda não estarem ao pé daquelas que estão com os filhos, pois é uma violência muito grande –, uma deputada do PS, às tantas, assumiu que viveu esta perda e reforçou a importância da iniciativa. Fiz o pedido de arrastamento desta iniciativa para que seja debatida no dia em que o PCP tem uma série de iniciativas de alteração ao Código do Trabalho e, portanto, acho que é o momento oportuno para termos esta discussão. Há uma subvalorização grande desta perda: não é tanto incluir no Código que as pessoas devem ter o direito a tirar um dia ou dois depois da perda, mas sim reconhecer de que estão a sofrer e precisam de um momento para se recomporem e pensarem como vão gerir as suas vidas.

Também tem exposto a desigualdade entre homens e mulheres nesta matéria.

Sim. Os pais são completamente esquecidos nesta equação. As mães têm direito à baixa médica e os pais não têm direito a nada. Muitos homens vieram falar comigo e agradeceram-me porque queriam estar a dar apoio à parceira e não puderam porque tiveram de trabalhar. E ainda há outro ponto: se um casal beneficia de uma gravidez de substituição e, por alguma razão, a pessoa que carrega a criança sofre a perda, estes pais que tinham esta expectativa de vir a acolher uma criança ficam mal. Normalmente, neste tipo de situações, os filhos são muito desejados porque os pais passaram por uma série de situações e não conseguiram constituir família. É muito traumático e devem ser contemplados. É um conjunto de alterações que não terá um impacto brutal ao nível do funcionamento das empresas, mas sim para as pessoas que passam por esta perda.

Normalmente, as mulheres são relegadas para segundo plano, mas, neste caso, acontece o oposto.

Ainda há muito a ideia de que tudo aquilo que diz respeito à gravidez e aos filhos é um assunto das mulheres. Isto leva-nos para outros problemas: a mulher tem o direito a ser legalmente acompanhada pelo outro progenitor e isso é, muitas das vezes, negado.

E controverso desde o início da pandemia.

Ainda mais. A situação pandémica não pode conduzir a que se negue este direito à mulher – que não quer estar sozinha – nem ao outro progenitor, na medida em que ele ou ela tem o direito de estar presente, assistir e apoiar. É uma questão que tem a ver com a desigualdade de género, uma sociedade machista e os estereótipos de género que lhe são inerentes. Como se umas funções tivessem de ser desempenhada pelos homens e outras pelas mulheres. Tudo isto tem de ser desconstruído. Por exemplo, em termos das licenças parentais, após o parto, proponho que estas sejam iguais para ambos. Assim, têm a mesma responsabilidade na receção do bebé na família e também de emprego. A mulher deixa de ser discriminada laboralmente porque um dia engravidará porque uma mulher ou um homem, em caso de ter um filho, ficará em casa durante o mesmo tempo. Todos estes detalhes parecem pequenos, mas acabam por construir o caminho para a igualdade.

Ainda há muitas mulheres no desemprego por terem sido mães?

Recebi relatos de pessoas que foram questionadas acerca da ideia de serem mães num futuro próximo em entrevistas de emprego. Não tanto agora, mas enquanto era advogada, tive conhecimento de mulheres com contratos a termo que, como engravidaram, não foram renovados. Por outro lado, enquanto deputada, soube de empresas que fizeram propostas aos pais para que formalmente tirassem a licença, mas, na verdade, continuassem a trabalhar. E por se terem negado a fazer isso, foram despedidos. É uma questão de educação, mas também de fiscalização por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que sabemos que tem recursos limitados, mas tem um papel muito importante.

Portugal é machista?

Basta irmos às redes sociais para termos um panorama daquilo que acontece. É um machismo sistémico e cultural. Acho que o pior comentário que li foi na publicação que fiz sobre a partilha de conteúdos íntimos. Mulheres diziam “se não queriam que as fotografias fossem expostas, não as tivessem tirado” ou “puseram-se a jeito” e homens chamavam as mulheres de tudo e mais alguma coisa porque tiraram fotografias numa relação íntima. Há situações em que as pessoas nem sequer sabem que a sua imagem está a ser captada e, depois, é divulgada. Reiteradamente, as pessoas colocam o foco nas vítimas em vez dos agressores. Toda a gente se esquece de quem tomou a atitude errada e arranja formas de desculpar ou justificar essa conduta. Isto acontece muito também com a violação: “Ela estava bêbeda”, “Saiu só com rapazes”, “Estava vestida de determinada forma”, etc. Desculpabiliza-se aquele que verdadeiramente comete um ato criminoso e absolutamente censurável.

O diploma em que sugeria que os crimes sexuais deviam ser de cariz público foi rejeitado.

Essa é uma das iniciativas que trabalharei novamente. Houve uma ativista, a Francisca de Magalhães Barros, que me contactou e dinamizou uma petição sobre este assunto que tem quase 70 mil assinaturas. Tem feito um trabalho incrível na divulgação desta causa. Uma vez mais, tenho de referir que a esmagadora maioria das vítimas deste crime é mulher. E, por sua vez, quase 100% dos agressores são homens. Não nos podemos esquecer de que a violação entre marido e mulher era considerada um dever matrimonial e, portanto, temos de afastar-nos dessa ideia e percorrer um longo caminho. A violência doméstica, quando passou a ser crime público, levou a que se levantassem muitas vozes que diziam coisas como “entre marido e mulher não se mete a colher”.

Recebe desabafos de vítimas de pornografia de vingança?

Há duas associações, a Não Partilhes e a Corta a Corrente, que fazem um trabalho extraordinário e foram uma ajuda fundamental para o projeto de lei que reforça a liberdade e autodeterminação sexual, criminalizando a divulgação não consentida de fotografias ou vídeos que contenham nudez ou ato sexual. Isto é especialmente preocupante porque acontece muito com menores e, com o confinamento, aumentou esta partilha de conteúdos. Neste momento, a moldura penal existe, mas não é propriamente desincentivadora. Não acho que seja adequada ao impacto que uma situação destas pode ter na vida de uma vítima porque o crime da devassa da vida privada, que é aquele onde cai esta conduta, pode ter uma pena até um ano com multa até 240 dias. Divulgar a lista de chamadas de alguém, imaginemos... Não é a mesma coisa. É claro que ninguém quer que se saiba a sua fatura telefónica detalhada, mas partilhar conteúdos íntimos é totalmente distinto. A pornografia de vingança já provocou suicídios, depressões, perdas de emprego, desistências do Ensino Superior...

Consegue dar um exemplo concreto?

Sim, claro. Falei com uma rapariga que abandonou o curso porque um namorado divulgou imagens dela e os colegas viram-nas. Ela nunca mais teve coragem para frequentar as aulas.

A Liliana Batista, que foi a primeira vítima a conseguir levar um caso destes a tribunal em Portugal, conseguiu que o ex-namorado estivesse três anos e nove meses em prisão efetiva. Em 2019, o i divulgou que o arguido, para além da prisão, terá de pagar 75 mil euros de indemnização à vítima mas esta acredita que “tal nunca acontecerá”.

Fico feliz por ela, porque foi feita alguma justiça. Se lhe formos perguntar, se calhar, acha que não foi suficiente e é por isso que defendo o agravamento das penas deste crime.

Em maio, recomendou ao Governo medidas de combate à pobreza menstrual.

Os comentários sobre esta iniciativa são assustadores. Este tema gerou uma polémica inexplicável. Por um lado, a menstruação continua a ser um tabu: ninguém me tira da ideia que isto acontece porque é um assunto de mulheres. Ainda há dificuldade em falar sobre ele, há quem não saiba o que é a pobreza menstrual e nem sequer se imagina a dificuldade no acesso a artigos de higiene íntima. Por outro lado, foi feito um estudo, cá em Portugal, que não teve uma amostra incrível – foram cerca de 500 pessoas – mas cerca de 16% das inquiridas disseram que tinham dificuldade em comprar estes produtos. É um valor muito elevado num país onde cerca de 20% da população está no limiar da pobreza. Para quem não é muito sensível à questão, pode parecer uma futilidade, mas não é.

As consequências abrangem todas as vertentes da vida. 

Trata-se de uma questão de saúde porque há mulheres que, não tendo acesso a pensos higiénicos, tampões ou copos menstruais, acabam por utilizar outros objetos que não são adequados e podem sofrer infeções. Socialmente, existe exclusão porque há meninas que faltam à escola porque estão menstruadas e não têm como usar algum tipo de artigo adequado e mulheres que faltam ao trabalho pela mesma razão. Já sabemos que são vulneráveis economicamente e ainda ficam sem dinheiro que lhes faz falta. Nas minhas redes sociais e nos órgãos de informação, só vi homens a contestarem a medida: comparam a menstruação com coisas como fazer a barba ou cortar o cabelo. Isto não significa que não darei atenção a outros problemas futuramente, mas quero desmistificar a menstruação. Por isso, estes produtos devem ser disponibilizados em escolas, universidades, centros de saúde – que já distribuem preservativos e pílulas, coisas extremamente fundamentais –, empresas, etc. Por exemplo, chegaram-me relatos de uma estudante deslocada que não tinha dinheiro para comprar qualquer produto e de uma família que emigrou para Inglaterra e a mãe e a filha passaram por esta dificuldade.

Quer punir com pena de prisão até um ano ou multa os clientes da prostituição.

Houve uma pessoa que fez um comentário a explicar que recorria à prostituição, sabia que as mulheres gostavam e, portanto, estava a ajudá-las, fazendo-lhes quase um favor. E eu perguntei se ele tinha de pagar. Ele não me respondeu mais porque sabe perfeitamente que, caso não pagasse, não estaria com elas. A prostituição é mais uma expressão da violência de género, pois a grande maioria das pessoas na prostituição são mulheres e esta atividade está ligada ao tráfico de seres humanos. Cerca de 65% das pessoas traficadas acabam a ser exploradas sexualmente. E, dessas, a esmagadora maioria são mulheres e raparigas. Não são só adultas porque a idade média para entrar na prostituição são os 14 anos. Não existe consentimento nem liberdade de escolha. Há casos em que as pessoas têm outras alternativas e querem prostituir-se, mas essa é a exceção à regra. Não podemos ficar indiferentes a isto. Proponho o modelo da igualdade que tem o objetivo de diminuir a procura porque, se for reduzida, a oferta também cai. Paralelamente, têm de existir programas de saída da prostituição que deem a possibilidade a estas pessoas de terem um trabalho, casa, apoios psicológico e médico, etc. Os comentários que se leem nas redes sociais mostram que precisamos de uma educação sexual para a igualdade, o respeito, o consentimento – um conceito que ainda não está bem assimilado – e há outra questão: estas pessoas estão sujeitas a uma violência muito maior do que pessoas que têm outras profissões. E, muitas das vezes, estas pessoas têm receio de fazer queixa quando são violadas porque um polícia tem dificuldade em entender isso por terem recebido dinheiro. A partir do momento em que alguém tem de pagar para ter sexo, está a explorar as fragilidades da outra pessoa.

O que pensa acerca da venda de conteúdos eróticos online?

Só me posso pronunciar quando tiver lido relatórios e outros documentos que me permitam estudar esta questão a fundo, mas acho que não deixa de haver a objetificação da mulher e a sua exploração. No entanto, se for maior de idade e não estiver a recorrer a este tipo de plataformas para sobreviver, é diferente.

O debate sobre a tauromaquia tem vindo a arrastar-se. No seu caso, quer que esta deixe de fazer parte do Conselho Nacional de Cultura.

A cultura representa um povo e acho que a tauromaquia não nos representa. Por exemplo, podemos pensar em Espanha ou em algum país da América Latina. Esta não é uma questão identitária nacional. O direito à cultura não se sobrepõe ao direito à vida e à dignidade dos quais os animais usufruem. Esta espécie de atividade lúdica com base no sofrimento animal nunca tem justificação seja ou não cultura. Antes, a tauromaquia não estava no Conselho, esta situação é relativamente recente e iniciou-se com um governo à direita. Da mesma maneira que entrou, pode perfeitamente sair. Há cada vez mais pessoas que não gostam da tourada e não a aceitam. Eu sei que o contexto em que crescemos é determinante e há pessoas que nasceram e cresceram em regiões onde a tourada sempre fez parte do seu dia a dia e, por esse motivo, há alguma normalização da violência, mas, ainda assim, não entendo como é que se pode tirar prazer desta atividade. O meu avô era caçador e chegava a casa com perdizes e lebres que tinha caçado e não foi por isso que não me afastei desse tipo de práticas. Se calhar, até tive mais empatia pelos animais.

Se as touradas não nos representam enquanto povo, não devem ser emitidas pela RTP? 

Espero que não haja transmissão das touradas, pelo menos, na nossa estação pública. Os canais privados podem tomar a decisão que quiserem, mas parece-me que a RTP não deve promover este tipo de espetáculos. Da mesma forma que também acho que o dinheiro público não deve sustentar esta atividade.

Em fevereiro, no projeto de lei que altera o regime de constituição e funcionamento do Conselho Nacional de Cultura e das suas secções especializadas, explicou que esta “é uma atividade que é violenta por si, tendo igualmente a capacidade de potenciar e normalizar a ideia de violência para com os animais” e, por isso, as crianças não devem participar na mesma.

Há vários estudos sobre esta questão, pareceres da Ordem dos Psicólogos e o Comité dos Direitos da Criança da ONU recomendou ao Governo português a proibição de participação de crianças em touradas. Cito-a na minha iniciativa porque, se fazemos parte da ONU, devíamos acolher as suas recomendações.

No final do ano passado, propôs a criação de Grupo de Trabalho para dar resposta “ao crescente conflito entre gaivotas e humanos”. Esta iniciativa gerou muita controvérsia. 

Não vejo razão para a controvérsia. As recomendações são perfeitamente razoáveis e foram feitas porque houve uma denúncia de um presidente de uma Câmara Municipal e já tinha sido realizada uma reportagem nas Berlengas, em Sines, no Porto, etc. De facto, há uma sobrepopulação de gaivotas em determinados locais e é preciso entendê-la. Normalmente, é porque há uma fonte de alimento e isto causa constrangimentos às pessoas. Depois, temos de programar medidas éticas para controlar esta sobrepopulação. Há iniciativas que sei, a priori, que serão alvo de imensas críticas, mas não esperava que tal acontecesse com esta. Ainda não foi debatida, mas não foi esquecida.

Há pouco, abordava os efeitos da pandemia na gravidez, mas também os há no teletrabalho. Por isso, está a defender o direito à desconexão profissional.

Venho de uma área, o Direito, em que chegamos à nossa hora de saída, vamos para casa e continuamos a trabalhar. Há coisas que são urgentes, prazos, clientes que nos telefonam a qualquer hora... Noutros trabalhos em que há a gestão empresarial, há a ideia de que os bons funcionários são aqueles que trabalham muitas horas. Esta é uma má prática porque as pessoas precisam de tempo para descansar, recuperar e, quando não conseguem fazê-lo, a produtividade torna-se menor. É claro que, para um trabalhador, não é fácil impor limites porque há uma hierarquia. É importante regulamentarmos esta situação para conseguirmos protegê-los.

Para além do direito ao luto de quem sofre a perda gestacional, insiste no direito ao luto por animais e quer que este justifique as faltas ao trabalho.

 

Quero que a pessoa tenha justificação para levar um animal ao veterinário em caso de urgência e, por outro lado, ambiciono que os empregadores entendam que os animais fazem parte dos agregados familiares e, quando morrem, as pessoas sofrem muito. Há 20 anos, poucas pessoas tinham os cães, por exemplo, em casa consigo. Ficavam no quintal. Isto ainda existe, mas muito menos. Há circunstâncias em que um animal de companhia, para a pessoa que o perde, provoca o mesmo sentimento da perda de um familiar ou amigo. Esta é outra questão de empatia e de nos colocarmos no lugar do outro. Nem todas as pessoas têm de percecionar os animais da mesma maneira, mas devemos respeitar os sentimentos que os outros nutrem. Até porque há quem não tenha mais ninguém para além dos animais de estimação.

À agência Lusa, disse que vai continuar a debruçar-se sobre a igualdade de género e os direitos dos animais. Em que áreas?

Sim, gostava muito de arranjar maneira de agendar um debate só para a iniciativa sobre a prescrição dos crimes sexuais contra menores. Para entendermos os impactos e as particularidades deste tipo de crime e refletirmos acerca do quão insuficiente é uma prescrição de cinco anos. 

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