O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza celebra-se este domingo, dia 17 de outubro. Compreender a diversidade da pobreza e arranjar mecanismo para a combater é um desafio anual. A criação do Rendimento Mínimo Garantido (RMG), em 1996, foi uma decisão relevante no apoio a pessoas em situação de extrema pobreza. Contudo, há quem considere que a medida não é suficiente para garantir uma vida digna à população. Roberto Merrill, professor auxiliar da Universidade do Minho e presidente da Associação RBI-P, propõem a implementação do Rendimento Básico Incondicional (RBI).

Em 1992, o Conselho da Europa propôs aos países da União Europeia que reconhecessem “o direito fundamental dos indivíduos a recursos e prestações suficientes para viver em conformidade com a dignidade humana”. Neste âmbito, Ferro Rodrigues, ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social da altura, formou a Comissão para o Rendimento Mínimo Garantido (RMG). O grupo ficou responsável pela criação de condições para o lançamento de uma prestação pecuniária não retributiva, que fosse capaz de garantir um rendimento mínimo de subsistência a quem não tinha recursos. Associada a esta ajuda vinha um programa de inserção dos respetivos beneficiários.

O RMG é substituído pelo Rendimento Social de Inserção (RSI), em 2003, por iniciativa do ministro da Segurança Social e do Trabalho da época, António Bagão Félix. Os princípios básicos da medida mantiveram-se, porém, com alterações ao nível da contabilização dos rendimentos, das condições de elegibilidade e do conceito de agregado familiar. No RMG, todos os portugueses a partir dos 18 anos, os jovens que já possuíssem responsabilidades familiares e os imigrantes com autorização de residência podiam requerer o apoio. Em contrapartida, no caso do RSI só podia beneficiar quem estivesse inscrito como candidato a um emprego no centro de emprego há pelo menos seis meses.

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No ano de 2012, devido à crise social e económica, o modelo implementado do RSI sofre alterações. Pedro Passos Coelho, primeiro ministro, decide, como forma de contenção orçamental, devido à presença da Troika, excluir o acesso à prestação a todos os que detivessem um carro, um barco ou uma aeronave com valor superior a 25.279 euros, bem como depósitos ou ações acima desse valor. A atribuição do apoio passou a depender de um contrato de inserção e a sua renovação deixou de ser automática. Em 2013, o valor de referência desceu de 189,52 euros por mês para 178,15 euros e o número de beneficiários de mais de 500 mil, em 2010, para cerca de 200 mil, no fim de 2014.

A partir de 2016, muitas das alterações efetuadas foram revertidas. O valor de referência do RSI foi reposto em 25% (180,99 euros) e o governo assumiu o compromisso de, até 2019, repor a totalidade do valor fixado em 2012 (189,52 euros). Apesar das oscilações verificadas durante os 25 anos de RSI, constata-se que a taxa de pobreza em Portugal tem vindo a diminuir. Segundo a Pordata, o valor mais baixo registado foi 16.2%, em 2019. Atualmente, está em discussão pública a Proposta de Estratégia Nacional contra a Pobreza até 2030, que prevê a reavaliação e aperfeiçoamento do RSI.

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A atual crise de desemprego incrementada pela pandemia está a relançar o debate em torno do Rendimento Básico Incondicional (RBI). Esta é uma política social alternativa ao conhecido Rendimento Social de Inserção e que consiste na atribuição de uma prestação fixa a cada cidadão, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional. Esta ferramenta defende permitir eliminar a pobreza e a insegurança económica, assegurando uma vida digna a todas as pessoas. O valor consensual para o RBI ronda os 500 euros.

Robert Merrill, presidente da Associação RBI-P, professor auxiliar de Filosofia e investigador no Centro de Ética, Política e Sociedade na Universidade do Minho, entende que o RBI é uma política mais eficaz no combate à extrema pobreza do que o RSI. Robert Merrill afirmou que, em Portugal, 30% das pessoas que têm direito ao RSI não o recebem, devido ao cariz burocrático do apoio. Por outro lado, explicou que “o rendimento básico incondicional, sendo automático e, não tendo em conta a situação profissional nem financeira dos cidadãos”, é mais eficiente, porque “vai diretamente para a conta” dos mesmos.

Além disto, o presidente da Associação RBI-P acredita que o Rendimento Básico Incondicional pode motivar mais as pessoas a procurarem emprego. Isto deve-se ao facto de estas saberem que, quando encontrarem trabalho, o apoio não lhes é retirado. Robert Merrill explicou que as pessoas que conseguem beneficiar do Rendimento Social de Inserção preferem depender dele, em vez de “procurar um emprego, que muitas vezes é mal pago, lhes tira o tempo todo e, portanto, ficam no que se chama a armadilha do desemprego”.

Um pouco por todo o mundo têm sido implementadas experiências piloto. O caso mais mediático foi o da Finlândia, que terminou em 2018. Os resultados da experiência já são conhecidos e demonstram que o RBI teve impactos positivos no emprego, na segurança económica e na saúde mental da população. Existe também o caso de Barcelona, que acabou o ano passado. Atualmente, estão a considerar estender a experiência a toda a região da Catalunha.

No panorama português está a ser preparada uma experiência piloto em Alcácer do Sal, no Alentejo. O projeto, ainda em fase de desenvolvimento, deverá arrancar em 2022 e terá um custo entre 20 milhões e 50 milhões de euros. Robert Merril considera que isto poderá “motivar um grande debate” e obrigar a que os partidos nacionais tomem uma posição oficial sobre o assunto. Neste momento, apenas o PAN, o Livre e o VOLT colocaram o RBI na agenda política.

Um estudo sobre a implementação do RBI em Portugal realizado pela Markest, a pedido do eurodeputado Francisco Guerreiro, procurou perceber a opinião dos portugueses em relação à atribuição desta prestação. Foram entrevistadas 1452 pessoas, com idades entre os 18 e os 65 anos, sendo que 76% dos inquiridos são a favor do RBI e 43% defendem que o valor mensal atribuído deve ser igual ao do salário mínimo nacional (665 euros).

Em relação à estrutura de financiamento existem diferente visões. Algumas das possíveis fontes de financiamento do RBI são a poupança em gastos atuais da Segurança Social; aumento do IMI para propriedade móvel e imóvel; impostos sobre a emissão de carbono, alterações às taxas nominais e aos escalões de IRS, IRC e IVA. Além disto, reforma da arquitetura do sistema financeiro, permitindo a distribuição direta (por exemplo, através de créditos fiscais) da expansão da base monetária para os cidadãos, sendo esses montantes usados para financiar parcialmente um RBI.