O deputado europeu independente Francisco Guerreiro vai deixar Estrasburgo e defende que o PAN, de que foi dirigente e pelo qual foi eleito, deveria juntar-se ao Livre e ao Volt para garantir a eleição de, pelo menos, um deputado ao Parlamento Europeu nas próximas eleições.

Foi considerado o melhor deputado português na defesa do ambiente na legislatura que termina esta semana, segundo a análise feita por cinco cinco organizações ambientalistas europeias.

Em Discurso Direto, diz que os agricultores, “os que genuinamente acreditam que estão a ser prejudicados, estão a ser instrumentalizados”, especialmente pela extrema-direita, e alerta para o retrocesso das políticas ambientais com o novo quadro político em Estrasburgo, em que se antevê a ascensão da extrema-direita.

Avisa que o grupo europeu a que o Chega pertence é radical, contra o sistema. “Temos aqui um inimigo dentro. É um cavalo de Tróia”, afirma.

 

O seu percurso na política europeia termina agora, com o fim da nona legislatura, ou pretende continuar ligado de alguma forma ao que se passa na Europa?

Não. Termina agora, porque o mandato de termina.

Foram cinco anos muito intensos. Como disse, fui considerado por várias organizações internacionais da defesa ambiental – à parte de qualquer influência – como o melhor deputado português em termos de legislação em matéria ambiental, com cerca de 99,44% em 100 [pontos possíveis], o que é extremamente bom, acima até do meu próprio grupo, que tem 92% de votação em matérias climáticas e que também é o melhor grupo. E também fui considerado o melhor deputado em termos de matérias de bem-estar animal. Também tenho 100% de participação em votações em plenário. Portanto, a nível estatístico, mesmo a nível de relatórios, de participações, intervenções, tenho tido uma prestação muito acima da média, o que também acaba por corroborar o trabalho destes cinco anos e beneficiar também desta dinâmica de transparência, de trabalho, que, infelizmente, muitas vezes, não é visto pelos nossos concidadãos portugueses.

A extrema-direita, em vários destes dossiês – por exemplo, em matérias de alterações climáticas – tem o pior resultado de todos os grupos. Para dar um exemplo, nesta avaliação de rankings em matérias ambientais, a extrema-direita, portanto, o ID [Identidade & Democracia] teve 6% em 100, portanto, é péssimo. E estamos a falar de matérias existenciais, que vão ditar o futuro de países, nomeadamente de Portugal, que já são severamente afetados pelas alterações climáticas. Portanto, essa dinâmica de não comunicarmos ou não falarmos tanto sobre a Europa, infelizmente, também condiciona a perceção dos portugueses do que se faz aqui e da importância de ter grupos como o nosso.

Que balanço faz deste mandato? Passar a independente alterou alguma coisa?

Devo dizer que a parte de eu ser independente – tornei-me independente em 2020 – não afetou de todo a minha participação nos Verdes/Aliança Livre Europeia, até porque me mantive no grupo e tive o seu apoio desde sempre; mesmo durante a transição, o grupo sempre foi informado do que se estava a passar e apoiaram e houve declarações oficiais até dos presidentes do grupo a apoiar-me. Portanto, o meu trabalho manteve-se.

Naturalmente, perdi um pouco de cobertura mediática, mas eu acho que existe um grande problema com a comunicação social nacional ao não cobrir matérias europeias. Este meu problema é sentido por outros eurodeputados também, obviamente em escalas diferentes.

O nosso grupo tem cerca de 10% do Parlamento Europeu [72 deputados em 705 assentos em Estrasburgo], mas teve um papel fundamental, por exemplo, para a aprovação do Pacto Ecológico Europeu, para trabalharmos na aprovação dos planos de recuperação e resiliência [PRR] para combatermos a pandemia – temos uma série de mecanismos e ferramentas e legislação. Também a lei para a Restauração da Natureza. Houve várias matérias em que nós fomos fundamentais, pese embora sejamos apenas 10%. E eu sou apenas um dos deputados em 72 e, portanto, único representante de Portugal.

Sentiu que foi possível trabalhar para fazer a diferença?

Sim, aliás, até porque logo no início do mandato fiquei como relator por parte do meu grupo de um dossier muito importante, o Fundo Europeu para os Assuntos Marítimos e das Pescas, que diz muito a Portugal, e, portanto, desde logo, quando entrei, tive essa grande responsabilidade. Depois, outras matérias também, como a política agrícola comum, em que tive um papel de preponderância, onde nós acabámos, efetivamente, por estar contra o pacote final, mas, por exemplo, eu, através de uma emenda que fiz, consegui na posição do Parlamento remover os subsídios à tauromaquia, que estão inseridos na política agrícola comum para a criação de touros de lide, mas depois, infelizmente, nas negociações finais, com a influência de Espanha, ou seja, na negociação entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho [Europeu], essa emenda foi retirada. Portanto, foi uma meia vitória, mas, lá está, sempre tive muita liberdade de trabalhar.

Estive e estou presente em quatro comissões – agricultura, pescas, orçamentos, mercado interno –, participei em todos os orçamentos anuais da União Europeia, o que também me muniu de um grande conhecimento de como é que a União Europeia funciona e de quais são os mecanismos de financiamento. Lutei por mais financiamento para vários pacotes e várias áreas fundamentais para esta transição ecológica e digital e, portanto, acho que o meu trabalho, mesmo sendo apenas um em 72, foi bastante profícuo, e os resultados e estatísticas também assim demonstram.

Referiu a maior afirmação da direita, e da direita mais radical no Parlamento Europeu. Estamos à beira de eleições, a legislatura acaba agora, a 24 de abril, temos eleições no início de junho e o que se antevê é uma maior afirmação dessa direita, com uma provável subida dos extremos. Que consequências é que pode ter este novo quadro parlamentar europeu?

Bem, uma reversão das políticas de transição climática e económica que têm sido feitas.

Um dos grandes problemas é o partido de centro-direita, o Partido Popular Europeu, onde se inserem o PSD e o CDS-PP, bailar e piscar cada vez mais o olho à extrema-direita, não só à extrema-direita, mas aos conservadores, que na sua generalidade votam mais ou menos igual em matérias similares: direitos dos animais, tudo o que tem a ver com a igualdade de género, tudo o que tem a ver também com matérias climáticas; estão tendencialmente contra todas estas matérias. Por isso, vejo com muita apreensão este aproximar do centro-direita à extrema-direita, quando são até forças anti União Europeia. Por exemplo, Portugal seria altamente prejudicado se saísse da União Europeia, se tivesse um processo de reversão dos apoios que recebe, nomeadamente na política agrícola comum, nos fundos de pesca, nos fundos de coesão, e é isto que estes movimentos de extrema-direita apregoam.

Não tenhamos nenhuma dúvida de que movimentos e partidos como o Chega querem, através do que é promovido pelos seus parceiros aqui no Parlamento Europeu, o fim do Pacto Ecológico Europeu, o fim da União Europeia, o fim da pertença de Portugal ao euro. E, portanto, todas estas matérias depois acopladas ao seu voto, que é tendencialmente contra tudo o que seja, a proteção ambiental, a garantia dos direitos para as comunidades, para as minorias, para a comunidade LGBT, em matérias climáticas, de bem-estar animal, modelos económicos que sejam efetivamente mais sustentáveis. Quer dizer, isto aqui demonstra que temos aqui um inimigo dentro; é um cavalo de Tróia. Portanto, votar na extrema-direita é, claramente, votar num cavalo de Tróia. Agora, lá está, as pessoas não ligam o que se diz, a retórica da extrema-direita, nomeadamente do Chega, com as votações que o seu grupo político faz aqui no Parlamento Europeu. As pessoas, se calhar, não conseguem fazer esta ligação, mas basta olhar para as situações e mesmo para as intervenções altamente radicalizadas, extremadas, – aliás, eles basicamente não trabalham, é o grupo que menos trabalha; vêm para o plenário só fazer vídeos para o YouTube e para o Tik-tok. Quando se fala, por exemplo, a nível de corrupção, limpar Portugal e grandes matérias de combate à corrupção, aqui, no Parlamento Europeu, quando se fala em matérias de transparência, na transparência das verbas dos deputados, transparência no relacionamento dos deputados com fontes de conflitos externos – nós tivemos o caso do Qatargate, por exemplo –, quando deveria haver até uma melhoria ainda mais profunda dos mecanismos de transparência e de responsabilização dos deputados, a extrema-direita votou sempre contra. Na factualidade das votações se vê…

A ação é mais extremada do que a retórica a que assistimos em Portugal?

É hiper-extremada. Aliás, não só é extremada como é um perigo para o projeto europeu. Nós, dentro deste projeto europeu, temos as nossas divergências, vemos a transição de modo diferente, mas sentamo-nos à mesa e negociamos, e eu posso dizer que estive em mais de 50 processos negociais e a extrema-direita nunca estava lá na mesa, portanto, nunca fez qualquer tipo de proposta; aliás, as que fazia, só em plenário, [eram] só para empolar o discurso político e, basicamente, para tentar minar a perceção da sociedade civil. O seu papel é claramente este, é forçar a saída dos Estados-membros, erodir os mecanismos de proteção judicial, até da própria democracia. Nós vimos com [Viktor] Orbán [primeiro-ministro húngaro] a instrumentalização do poder judicial para benefício próprio; nós vimos na Polónia, também, o uso de verbas europeias para benefício de oligarcas, nomeadamente dentro da política agrícola comum. Os factos falam por si.

É óbvio que nós podemos e devemos ter visões diferentes de como é que construímos a União Europeia, mas estes grupos não acrescentam nada ao projeto europeu e são, efetivamente, um perigo, até porque estão muitas vezes aliados a oligarcas. A extrema-direita está intimamente ligada a [Vladimir] Putin [presidente a Rússia] e por isso é que a guerra na Ucrânia é um destes patamares em que se extrema-direita tiver mais poder poderá ser um passo atrás, um grande passo atrás para os ucranianos que têm defendido com as suas vidas a proteção do espaço europeu.

As sondagens apontam, também, para uma perda de peso dos Verdes, que ficariam com menos cerca de um terço dos deputados. Juntando as duas tendências, podemos enfrentar um retrocesso na concretização de uma agenda ambiental?

Claro, e não nos esqueçamos que a agenda ambiental está diretamente ligada com a sobrevivência da espécie humana. Nós estamos na sexta extinção em massa, ela está a ocorrer. A destruição da biodiversidade, sobretudo na Europa, deve-se a várias indústrias, nomeadamente, uma das maiores é a indústria agropecuária. Não tendo esta visão de transição, em que nós efetivamente ajudamos agricultores, por exemplo, ou os pescadores, a transitar para modelos mais sustentáveis de produção, mas em que eles também ganhem mais dinheiro, vamos esbarrar com limites físicos e, portanto, não ter elementos dos Verdes ou tantos elementos dos Verdes no Parlamento Europeu e tendo mais da extrema-direita, será o aprofundar desta crise existencial. E em países como o nosso, ela é mesmo gravosa. Por exemplo, no Algarve, onde o Chega foi a força política mais votada, para mim é totalmente incompreensível como é que num local onde as alterações climáticas já ditam o acesso ou não a água potável, essencial à vida, o movimento que nega a própria existência de alterações climáticas ser o mais votado. Quer dizer, é uma total desconexão com a realidade.

Mesmo os jovens votarem. Eu não consigo conceber um único jovem que vote na extrema-direita; negar as alterações climáticas é um tiro na cabeça, nem é um tiro nos pés. Não vejo como com bons olhos, mas, de qualquer das maneiras, o povo é soberano e, portanto, só temos é de garantir que conseguimos expor a fraude que é a extrema-direita.

O que defende?

Eu acho que Portugal deveria ter uma visão mais alargada e os partidos ambientalistas, nomeadamente o Livre, o PAN e o Volt, juntarem-se numa eco coligação para agregar votos, porque se nós verificarmos, no final de contas, os programas são em 90% similares, e se, no caso extremo, os três elegessem, eles viriam para a família dos Verdes – Aliança Livre Europeia. Para agregar o voto e garantir que um eurodeputado fosse eleito certamente, que se assume fosse do Livre, até pela expressão das legislativas, em que teve maior votação, garantiríamos pelo menos um eurodeputado e poderíamos estar a lutar por um segundo, que poderia ser do PAN, e o Volt poderia ter. até, outros mecanismos de usufruto desta coligação; poderia trazer aqui grupos de visitantes, ter algum acesso a algumas verbas para fazer conferências ou alguma outra ação político-partidária. Houvesse essa vontade política e essa visão mais alargada, o movimento ecologista ganharia de certeza.

Agora, o que me parece é que continua a imperar o umbiguismo partidário e, no final, creio que vão ficar todos à porta. Espero estar enganado, sinceramente, mas pelas perspetivas, certamente, possivelmente, ou muito possivelmente os partidos ecologistas ficarão à porta nestas eleições, e é fundamental, pelo menos eu [concluo] minha experiência de cinco anos, ter um deputado Verde de Portugal, pelas questões que nos assolam. Nós temos uma grande plataforma continental, os oceanos continuam a ser um dos grandes debates aqui no Parlamento Europeu e é necessário ter uma voz portuguesa; questões ligadas aos ao clima, à floresta, à habitação, era necessário ter um ecologista português no Parlamento Europeu.

Temos assistido, em diversos países, a manifestações de agricultores que muitos entendem ser uma capacidade de intervenção pública que, aliada a este novo quadro político, poderá limitar a concretização de uma agenda ambiental. Existe esta ideia de agricultores para um lado, agenda ambiental para o outro?

Claro que existe. Aliás, já foram derrogadas dentro da política agrícola comum, na última votação do Parlamento Europeu, algumas medidas de verdificação, por assim dizer, da PAC – que garantiam a sustentabilidade da política agrícola comum –, tornando-a um dos instrumentos mais destruidores da biodiversidade.

Mas há aqui vários fatores. Primeiro, eu acho que os agricultores, os que genuinamente acreditam que estão a ser prejudicados, estão a ser instrumentalizados e, muitas vezes, pela extrema-direita. Extrema-direita essa que é negacionista climática e, portanto, não tem o próprio bem-estar dos agricultores e do mundo rural em perspetiva, muito pelo contrário.

Depois, os grupos políticos que aprovaram a política agrícola comum durante estes anos, todos são os responsáveis pela manutenção deste sistema altamente subsidiado de produção agroalimentar, que não é sustentável. Não é uma questão de falta de dinheiro, porque nós podemos usar o dinheiro da política agrícola comum e dos orçamentos nacionais e mesmo verbas municipais para ajudar – e é isso que é importante – a transitar e para que estes produtores não só produzam mais, como melhor, mas recebam mais rendimentos destas produções.

Nós vemos que cerca de 80% das verbas da política agrícola comum estão alocadas às grandes concentrações de agroindustriais e, portanto, não são os pequenos e médios produtores que beneficiam destes regimes. Milhares de agricultores anualmente fecham portas porque não conseguem competir com estas unidades agroindustriais e isto não beneficia o pequeno e médio produtor, não beneficia a cultura, isto não beneficia o mundo rural. Os agricultores, através até das grandes organizações de representação destes sectores, a CAP em Portugal, a COPA-COGECA na União Europeia, estão a ser instrumentos de aceleração da destruição do mundo rural, a meu ver.

Não é nada produtivo estarmos a pensar que a agricultura pode estar dissociada das políticas ambientais, muito pelo contrário, e, aliás, a agricultura na União Europeia é promotora da maior destruição da biodiversidade, porque é o elemento que mais destrói a biodiversidade, é o elemento que mais água consome, e em países como o nosso esse uso de recursos é fundamental à vida – é em todo o lado, mas em Portugal é existencial, mesmo, e nós vemos isso, sobretudo no Algarve. Portanto, ou nós temos a coragem política de apresentar uma solução e com os agricultores ajudá-los nessa transição ou então vamos cair no erro de acelerar o processo de destruição da biodiversidade e dos recursos que nós temos e que são necessários à vida, e depois, no final, ninguém vai ser beneficiado. Não nos esqueçamos que os dados climáticos apontam para que nós continuemos a aumentar o número de emissões, continuarmos a aumentar a destruição da biodiversidade, continuemos a usar mais recursos do que os conseguimos recuperar e, portanto, não há outra solução senão, efetivamente, enfrentarmos o problema, mas apresentando soluções que ajudem claramente os agricultores.