TSF: 'A pandemia veio mostrar a urgência de um rendimento básico incondicional'

TSF: 'A pandemia veio mostrar a urgência de um rendimento básico incondicional'

  • Terça-feira, 14 de Setembro de 2021

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Francisco Guerreiro caminha seguro no extenso chão do edifício do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Há mais de um ano que é independente, luta pelas cores das próprias bandeiras, alinhadas com a família dos Verdes. O eurodeputado defende prioridades que não têm cabido na agenda política da Comissão Europeia, como o rendimento básico incondicional, que, diz, trará uma transição digital mais justa quando alguns trabalhos forem substituídos pela automação. Mas, à conversa com a TSF, não saltam apenas críticas ao executivo comunitário. No mesmo dia em que escreveu no Twitter que "a falta de harmonização europeia a nível de cuidados de saúde é gritante", porque tomar café na esplanada em França requer certificado, também dirige críticas ao Governo português, por adotar o "chavão" da economia digital e verde sem lhe fazer justiça.

O que teme que fique para trás nestas sessões plenárias? Que temas vê como prioridade que não possam ser esquecidos?

O Estado da União é aquele momento em que todos nós nos sentamos a debater o futuro da própria União, do projeto europeu. Sabemos que vamos falar sobre a recuperação económica, a crise pandémica em marcha, o processo de vacinação, o processo da compra de vacinas, a transição para uma economia mais verde, mas as nossas críticas, como Verdes europeus, focam-se sobretudo nesta premissa de que vamos recuperar da mesma maneira que chegámos a esta crise. Com crescimento, com uma ilusão de que temos duas ou três décadas para fazermos uma transição verde, e gostaríamos que houvesse uma resposta mais eficaz ao nível do projeto europeu, a alocar os fundos necessários para esta transição verde, que, no fundo, é uma transição económica e social: combatendo a corrupção de uma forma eficaz, garantindo que os Estados-membros têm capacidade, nos vários programas, para fazer esta transição para uma economia mais verde. Estamos a falar na agricultura, nas pescas, na indústria. E o discurso que vem dos grandes partidos e da Comissão Europeia - estamos a falar dos liberais, dos sociais-democratas e do Partido Socialista - é de que podemos basicamente manter tudo na mesma, tornando ligeiramente mais verde estes setores. E isto não é possível... Vários estudos indicam que estamos próximos de um ponto de inflexão, ou seja, em que os impactos das alterações climáticas vão ser substancialmente maiores do que nós conseguimos prever, e nós temos de duplicar, de triplicar esses investimentos, numa economia que é realmente verde. Significa também nós falarmos no processo de industrialização que basicamente diz que podemos continuar a consumir do modo que consumimos e manter tudo na mesma. Nós temos de falar de um decrescimento do consumo, numa melhoria dos recursos, nos vários setores: na agricultura, indústria, pescas, etc.

E os planos de recuperação que têm sido apresentados na Europa têm bandeiras vermelhas, na sua leitura do que deveriam ser as apostas para os próximos anos?

 

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Existem, porque estamos a ter uma retórica - a Comissão e o Parlamento europeu, na sua generalidade - positiva, que é a de mudar de 'chip', mudar de paradigma, mas depois nas políticas concretas, quando nós falamos por exemplo da Política Agrícola Comum, do Fundo Europeu para os Assuntos Marinhos e das Pescas, nos próprios Planos de Recuperação dos países, nós vemos que esta transição não existe. Existe uma tentativa de verdificação desta transição, portanto, muita retórica, mas falta implementação e uma estratégia que fale diretamente com os cidadãos, que ajude as empresas a transitar para uma economia mais verde. É essa a nossa maior crítica. Há uma diferença entre a retórica política e depois os planos que são implementados a nível europeu e a nível nacional, para fazer essa real transição.

O Governo português utiliza mesmo essa expressão: 'transição digital e verde'. É um chavão ou palavras que têm adesão à realidade do que é o PRR?

 

Na nossa visão, não. O PRR fala de uma digitalização de grande parte da sociedade, na indústria, na agricultura, nas pescas, mas ela vai gerar inerentemente uma aceleração do desemprego tecnológico. É uma matéria de que não se fala e de que se deveria falar. O desemprego tecnológico não vai ser compensado com criação de novos empregos. A própria automatização da sociedade, a inteligência artificial que está exponencialmente a crescer vai fazer com que estes empregos deixem de existir e novos empregos não sejam suficientes para compensar.

Estamos a perpetuar uma retórica de crescimento que não é compatível, não só com os limites terrestres, os limites ecológicos, mas também com a própria capacidade da sociedade de criar novos empregos.

... O que agrava a desigualdade?

Acaba por também agravar a desigualdade. Sou um grande promotor da implementação de projetos-piloto de rendimento básico incondicional, ou seja, um rendimento dado a todos os cidadãos num determinado espaço, nomeadamente em Portugal. Mensalmente receberiam uma quantia, também por existirem e por serem a parte positiva da sociedade. Conseguiríamos criar uma rede económica e social que garantisse que as pessoas tinham rendimentos acrescidos que não desapareceriam se não tivessem um novo emprego, e que tivessem a capacidade de contribuir positivamente para a sociedade, diminuindo as desigualdades, combatendo realmente a pobreza, e garantindo que há uma rede de segurança, além do Estado social, que faz com que as pessoas consigam fazer a transição para uma sociedade mais justa, mais equitativa e ecológica, com esta rede de apoio.

Algum dos Estados está mais avançado nesse debate de implementação de um rendimento dessa natureza?

Atualmente na União Europeia estamos a falar do rendimento mínimo garantido. Quando se trata e se fala em trabalho, que haja um rendimento associado a esse trabalho, que seja mínimo e que dê para sobreviver de modo condigno. Mas deixamos de parte milhões de pessoas que, por um motivo ou outro, não conseguem encontrar trabalho, que, por um motivo ou outro, já não têm capacidade de integrar o mercado de trabalho, que também não estão dispostas a integrar o mercado de trabalho apenas para ter um rendimento para sobreviver quando estão a fazer algo que não gostam.

A automatização vai ser disruptiva, e nós vamos criar ainda mais pressão social. Não há, infelizmente, nenhum país que fale e esteja ativamente a procurar esta matéria, sendo que há pequenos projetos-piloto que vão acontecendo - e isso é positivo -, nomeadamente em Alcácer do Sal. Vai acontecer agora, nos próximos dois anos, um projeto-piloto de rendimento básico incondicional, o que é positivo porque mostra também que alguns autarcas tomam nas suas mãos essa possibilidade de fazer essa transição, mas, a nível supranacional e a nível nacional, estamos muito longe desse debate.

E é um debate urgente? A substituição dos trabalhadores por automatismos não é uma realidade em desenvolvimento?

Sim, e é um dos temas que não têm sido promovidos pelos partidos políticos que gerem a agenda europeia e nacional.

A pandemia consumiu demasiado tempo, demasiada atenção?

Mas a própria pandemia veio mostrar a urgência de implementar o rendimento básico incondicional nos países, nos Estados-membros, e de debatê-lo a nível europeu. Temos um orçamento comum, portanto já conseguimos fazer com que haja uma mutualização da dívida, portanto caminhamos para uma solidariedade europeia, mas estamos muito longe de debater o próprio projeto europeu no sentido em que tem de saltar o paradigma de crescimento, portanto temos de nos desenvolver e regenerar a nossa economia, e também dividir melhor a riqueza que é gerada. Por exemplo, não é por falta de capital líquido que nós não podemos dar um rendimento às pessoas, não é por falta de comida que não podemos alimentar os cidadãos europeus, é por uma má distribuição dessa capacidade produtiva que hoje temos, que é a maior que alguma vez tivemos na nossa História. Precisamos é de redirecioná-la e fazer com que haja uma justiça social e que os Estados sociais também sejam uma parte integrante desta distribuição da riqueza.

Na agenda internacional, há temas como o Afeganistão. A posição que a Comissão Europeia manifesta é a adequada neste momento?

É positiva, mas a própria Comissão está limitada aos tratados. Nós não somos uma união federal, falamos mais ou menos a uma só voz quando falamos em políticas externas, mas depois cada estado-membro tem, naturalmente, a sua política externa, e muitas vezes conflitua com os próprios interesses ligados à indústria militar. Há sempre uma dualidade entre a retórica política que é positiva, que temos de recolher e agregar os refugiados de países em crise, nomeadamente o Afeganistão... Não pomos em questão a própria indústria e a própria circunstância que gera este tipo de guerras e convulsões sociais que há nestes países. Temos de ter cuidado para não demonizar o papel que temos como União Europeia, que é positivo e é bastante progressista, mas repensar a própria instituição europeia: se não devemos caminhar para uma Europa federal, onde conseguimos realmente falar a uma só voz quando falamos de questões externas.

Negociar com os taliban, por exemplo, numa tentativa de responder à urgência em que se encontram muitas das pessoas que ficaram no Afeganistão, é uma das posições que defende que deveriam ser unas?

Eu acho que é difícil negociar com um coletivo que basicamente oblitera qualquer direito humano. Agora, não podemos deixar de fora da equação uma convergência para tentar pressionar ao máximo este regime para tentar tomar as decisões que sejam mais corretas. Parece-me muito difícil, até porque são opostos a nível ideológico, que consigamos validar um Governo taliban. Parece-me mesmo muito difícil.

É preciso ter uma posição mais firme no que diz respeito à legislação e aos ataques à comunidade LGBTI+? É possível fazer algo mais que não tenha sido feito?

São as famílias políticas que validam os governos que estão nestes países, ou as oposições mais extremadas, como em Espanha. Estamos a falar do Vox, que tem a posição mais extremada relativamente à comunidade LGBTI+, e que acaba por garantir uma passadeira verde a estes insultos e a esta degeneração civil desta comunidade, por parte de vários atores sociais, que deve ser confrontada. Há governos que são pró-comunidade LGBTI+, direitos humanos - estamos a falar de direitos humanos -, mas que depois têm uma grande oposição, como Espanha. As famílias europeias que estão a validar os comportamentos destes partidos políticos têm de ter uma posição mais firme para garantir que os direitos humanos são consagrados, no que toca, por exemplo, ao acesso a fundos europeus, a políticas comuns, como a Política Agrícola Comum e das pescas.

Quem não está a favor destes direitos também não deve ter acesso a estes fundos e a este pacote que é a União Europeia no seu todo. Tem de haver um combate mais aguerrido e a legitimação efetiva dos direitos humanos.

Há sempre a influência da maior família europeia, neste caso, dos populares europeus, que continua numa franja para não enfraquecer algum do seu eleitorado, mas têm de caminhar para defenderem os direitos humanos no seu todo.

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