Público: 'Já pensaste na tua liberdade?'

Público: 'Já pensaste na tua liberdade?'

  • Segunda-feira, 29 de Novembro de 2021

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O Manuel tem 60 anos. Perdeu o emprego na fábrica onde trabalhava porque as máquinas ocuparam o seu lugar. Era serralheiro e procura, sem sucesso, alguém que dê trabalho a uma pessoa demasiado nova para a reforma, mas que ultrapassou o limite da jovialidade para desempenhar uma função.

A Rita desistiu da universidade no último ano para ter tempo para um segundo emprego. Era a melhor aluna na altura, mas a falta de recursos obrigou-a a optar pelo bem mais necessário, no momento: o dinheiro.

E o Artur? Um artista destacado a quem a pandemia roubou a capacidade de criar e estar perto do seu público. Sem qualquer apoio social, vive da generosidade da família e amigos que lhe entregam cabazes alimentares e pagam as despesas certas e… recusa desistir.

Estes são apenas três exemplos de pessoas para quem a liberdade mudou no último ano. Mas podia ser qualquer um de nós. Nunca sabemos quando a nossa vida pode ser afectada pelo desemprego, pelas alterações climáticas ou por uma pandemia.

Nos tempos que correm a liberdade já não é uma garantia e a covid-19 limitou-nos na medida da dignidade. Este é o tempo para falar de Rendimento Básico Incondicional (RBI), um tema tímido, que se vai impondo em Portugal e na Europa. O sentido do RBI é ajudar todas as pessoas a fugir da pobreza e a garantir a sua participação na comunidade, de forma digna. Como? Através da atribuição de um rendimento individual; universal - independente da condição social e económica; e incondicional - livre de obrigações. Cada pessoa teria, pelo simples facto de existir e de pertencer a uma sociedade, direito a um rendimento, com valor definido, que lhe permitiria sobreviver a uma pandemia, enfrentar uma situação de desemprego ou optar por trabalhar em regime de part-time para acompanhar o crescimento dos filhos ou dedicar-se a voluntariado e trabalho social. A medida é diferente, por exemplo, do Rendimento Social de Inserção porque é atribuído à pessoa e não ao agregado familiar, não sofre qualquer tributação e elimina a humilhante obrigatoriedade da prova de pobreza.

O tema do RBI não é novo, muito pelo contrário. As primeiras referências surgiram no século XVI, por Thomas More, no livro A Utopia, não na ideia do Rendimento Básico como hoje o pensamos, mas na ideia de um valor para assegurar a subsistência de cada um. Marc Zuckerberg, Richard Branson e, mais recentemente, Elon Musk alertaram que, em pouco tempo, não haverá trabalho para todos e que o RBI é “100% necessário para que ninguém durma na rua e todos tenham uma almofada para explorar novas ideias”.

Um estudo recente mostra que, no ano passado, apenas 26 indivíduos no mundo eram donos do mesmo montante que as 3,8 biliões de pessoas mais pobres do planeta. Portugal tem 1,7 milhões de pobres, aqueles que não têm dinheiro para garantir um padrão de vida aceitável, de acordo como país em que vivem. Em 2020, o INE mostrava que os números não oscilam e que 19,8% da população estava em risco de atingir esta condição. E ter um trabalho não é garante de uma vida digna porque muitas destas estão empregadas.

Marc Zuckerberg, Richard Branson e, mais recentemente, Elon Musk alertaram que, em pouco tempo, não haverá trabalho para todos

Oscar Wilde disse que o progresso é a concretização de utopias. A série documental que idealizei, RBI: Um caminho de Liberdade, tem esse objetivo, criar esse lugar, torná-lo realidade. Ao longo de 12 episódios mostra como se aplica o RBI na saúde, na educação, na igualdade de género, na ecologia regenerativa. Procura explicar quem beneficiaria desta medida e a falta que faz para a liberdade de cada um.

“Um RBI é impossível de financiar!”, dizem muitos, tal como dizem do Serviço Nacional de Saúde. O financiamento é real e praticável e as alternativas são várias, baseadas nos projectos piloto de todo o Mundo (Maricá, Finlândia, Alasca), nos estudos conhecidos e até nos investigadores que entrevistámos: combater a economia paralela, tal como o enriquecimento ilícito, a elisão e evasão fiscais, taxar as transacções financeiras, terminar com os paraísos fiscais na Europa, implementar taxas ambientais e de carbono ou, até, taxar pagamentos electrónicos e a robotização.

Não é a riqueza de uns que preocupa. O que preocupa é a pobreza de tantos.

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