Nova Gente: 'O que queres ser quando fores grande?'
Quantos de nós não ouviram ou disseram esta expressão numa conversa banal com uma criança ou adolescente? Aposto que a larga maioria. Porém, esta frase infere algo profundamente errado. Que apenas seremos alguém quando deixarmos de ser crianças ou adolescentes, e que esta sensação de realização pessoal unicamente será conseguida se encontrarmos uma profissão, um emprego.
Fui chamado à atenção para esta armadilha societal num clip de uma blogger que sigo no Instagram: Mãe Guru (aconselho a seguir nas redes sociais e não se assustem com a palavra guru, pois neste caso simboliza aprendizagem de todos os envolvidos, ela incluída). Em boa verdade, as crianças e adolescentes já são. Não precisam de atingir esta fase da vida para se sentir alguém ou algo. Esta relação que temos uns com os outros, mas sobretudo de uma profunda dependência social da valorização do eu pelo estatuto profissional, cria fossos ilusórios entre seres bem-sucedidos e outros irrealizados. Existe uma estranha, mas explicável, relação entre o nosso estatuto social e o emprego, pois é através deste, maioritariamente, que recebemos rendimentos (poucos têm a possibilidade de obter rendimentos estáveis e condignos através de imóveis ou de capitais, por exemplo). Por sermos uma sociedade altamente monetarizada e capitalista projectamos o sucesso de pessoas, de seres humanos, através dos rendimentos que têm, da profissão que desempenham e, infelizmente, pela acumulação ou demonstração pública dos bens que possuem.
Este fenómeno, alimentado por uma indústria altamente destrutiva de marketing e de publicidade, leva-nos a crer que o nosso crescimento como seres, tal como a nossa passagem neste plano de existência, se limita a trabalhar para consumir e a sobreviver para acumular. Também na política, tal como na sociedade civil e no nosso dia-a-dia, temos de contrariar esta realidade e demonstrar que outra existência social e económica é possível. Uma que valorize o ser em detrimento do ter, e o tempo como unidade mais importante da construção da nossa sociedade.
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Quarta-feira, 17 de Abril de 2024
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