Tribuna das Ilhas: ' Francisco Guerreiro apresenta projeto na Horta'

Tribuna das Ilhas: ' Francisco Guerreiro apresenta projeto na Horta'

  • Sexta-feira, 29 de Julho de 2022

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RENDIMENTO BÁSICO INCONDICIONAL

O eurodeputado Francisco Guerreiro esteve nos Açores para esclarecer a população quanto a uma das suas bandeiras: o Rendimento Básico Incondicional (RBI). Parte do documentário por si produzido, “RBI: Um caminho de Liberdade”, foi projetado no auditório da Biblioteca Pública da Horta, na senda do seu périplo pelo país. Ao Tribuna das Ilhas, o eurodeputado membro dos Verdes/Aliança Livre Europeia falou deste direito e do porquê dos Açores serem um lugar ideal para implementar um projeto piloto. O RBI não é mais que uma prestação mensal que o Estado dá a cada cidadão apenas por ele existir, independentemente dos rendimentos que aufere.

Tribuna das Ilhas (TI) – Alguns dos principais argumentos apresentados contra a implementação do RBI são a insustentabilidade financeira para o Estado, o aumento de impostos para o financiar, e o facto de poder ser um desincentivo ao trabalho. Como desconstruir esta narrativa?

Francisco Guerreiro (FG) – Com factos. A questão de financiamento não é um problema se olharmos para o custo como um custo líquido. Como chegar ao custo do RBI? Multiplicamos 10 milhões de pessoas pelo rendimento que se atribui - imagine-se 500 euros - por 12 meses. Isso dá um valor substancial, bastante superior a algumas áreas segundo o Orçamento do Estado. Se olharmos o custo líquido, vemos que este pode ser até 10 vezes inferior ao custo real. O que quero dizer com isto? As pessoas que auferem rendimentos mais elevados recebem o RBI, mas vão pagar esse próprio rendimento e mais um pouco. Certamente teríamos que olhar para a tributação de um modo diferente; possivelmente teríamos que ter uma taxação superior nalgumas grandes fortunas. Poderíamos ter que baixar o IRC em grande parte das empresas, pois sabemos que através desta diminuição existe um aumento da receita do Estado. Há menos economia paralela. Temos outros fatores adicionais: em Portugal já gastamos mais de 14 mil milhões de euros em prestações abaixo de 400 euros. Esses 14 mil milhões já existem, teríamos era que encontrar o restante. Mesmo que seja o dobro, podemos verificar que perdemos 18 mil milhões de euros anualmente para a corrupção. Há muita margem para coletar dinheiro: só fugas tributárias de empresas de IRC para fiscais são cerca de 1400 milhões de euros. Depois, na economia paralela circulam no mínimo 45 mil milhões de euros, metade do Orçamento de Estado, se pensarmos nos valores de 2020. Temos de ver o RBI como um investimento: ao atribuirmos um rendimento às pessoas, estamos a investir nelas. Isto vai gerar, segundo os testes piloto, gastos na saúde, alimentação, habitação e educação; em manter um estilo de vida relativamente confortável para suprir as suas necessidades básicas. Isto acaba por ser investido na economia local. Naturalmente isto não pode ser feito de um dia para o outro. Na minha perspetiva e de quem estuda estas matérias, é necessário fazer um teste piloto, com uma amostra substancial durante pelo menos dois anos para aferir os efeitos positivos e negativos. Quanto à questão do trabalho, os estudos comprovam que as pessoas procuram melhores oportunidades de emprego, criam o seu próprio negócio e têm a capacidade de projetar a sua vida a médio e longo prazo. Em boa verdade, não há pessoas que não façam nada, há é pessoas que não conseguem fazer o que realmente gostam e são forçadas pelo mercado de trabalho a fazer coisas que não gostam. O RBI é para garantir o básico. É uma mudança de paradigma, é isto que estamos a promover com este documentário; a possibilidade de implementarmos um RBI em Portugal, e os Açores poderiam ser um local fantástico para fazer esta amostragem porque tem muitas realidades e ilhas habitadas, mas tem uma população mais ou menos circunscrita. Ao nível de financiamento, poderia vir ao Orçamento do Estado ou do regional, podíamos ter uma moeda local. Não há falta de imaginação económica e financeira para implementar, há é falta de vontade política.

TI – Ao longo destes três anos, e desde que tomou posse, esta é uma das suas grandes banderas. Quais os principais entraves que tem encontrado?

FG - O paradigma dominante determina que o dinheiro apenas advém do trabalho. Ou seja, é orientado sempre pelo pleno emprego, pelo crescimento do emprego. Este paradigma é o maior bloqueio para que se pense a Economia de um modo diferente. Vemos, hoje, a nível mundial, uma enorme concentração de riqueza. Em Portugal, 10% da população é detentora de 43% da riqueza. Não se tem falado como se devia da revolução silenciosa que é a automação. Estamos a apostar muito, no quadro financeiro plurianual e no PRR, na digitalização da economia. É fundamental, mas isto vai fazer com que muitos setores sejam rapidamente automatizados e muitos empregos deixem de existir. O que fazemos com essas pessoas? Empurramo-los para trabalhos precários só para ter um rendimento? Forçamo-las a ter um tipo de formação para ter certo trabalho e algum rendimento para sobreviver? Ou pensamos em outros mecanismos? Por exemplo, podíamos taxar ligeiramente tudo o que é automatizado para garantir um Estado Social mais eficaz e o financiamento do RBI. A arquitetura económica e financeira não é o grande entrave; é o bloqueio ideológico. Repetem-se as receitas que nos encaminham para o colapso ecológico. Este modelo de consumo continua a vingar e não dá liberdade a uma economia baseada nas pessoas. O RBI uma boa medida para combater populismos. Estes alimentamse do descontentamento das pessoas em ver que trabalham muito e não tem retorno. Somos a geração mais qualificada de sempre mas temos mais instabilidade, mais precariedade, mais doenças mentais… É completamente anacrónico com o que devíamos estar a viver hoje em dia. Na classe política continua o amorfismo e não se testam ideias diferentes.

TI – Fruto do poder de lobby que as grandes empresas têm?

FG - Acaba por ser. Não é por falta de riqueza. É pelos mecanismos que fazem com que esta concentração seja cada vez maior. Durante a pandemia tivemos o período em que surgiram mais milionários e bilionários. Não é racional. Num período em que famílias inteiras passaram grandes dificuldades, e economias inteiras quase colapsaram, temos cada vez mais pessoas a acumular dinheiro.

TI – Poderá o RBI pôr em causa a existência do Estado Social (ES) tal como o conhecemos?

FG – Há quem defenda o RBI como substituição do ES, mas temos visto muitos estudiosos que defendem o contrário. Tem que servir para acrescentar ao ES. Este tem um papel fundamental, mas tem que ser atualizado. Aí o RBI pode ser uma malha complementar que direciona mais à responsabilização das pessoas e melhor divisão de riqueza.

TI – Já disse que os Açores serão o sítio certo para um projeto piloto. Além do isolamento geográfico, que outros fatores e levam a esta afirmação?

FG – Uma questão importante é a quantidade de habitantes ser mais ou menos estanque, sem grandes variações substanciais. Se calhar até conseguimos projetar a três anos um projeto circunscrito. Conseguiríamos, através de uma negociação ou através de uma moeda local, o próprio financiamento desta medida. Aí é questão de criar um Comité Independente que, com o Governo Regional, perceba como projetar a medida, que dados terão que ser anotados para perceber os impactos. Depois, sim, ter um debate científico sobre a matéria, com os dados científicos bem trabalhado e percebendo, junto das populações, os pontos fortes e fracos. Aí se vai perceber se é para avançar, se funciona ou se é para adaptar para algo mais. Se todas as pessoas receberem RBI, torna-se um direito, como o voto. Se não o quiserem, podem devolver, mas esta ideia é diferenciadora e por isso mesmo é para todos. Não é uma prestação social, mas um direito. É uma revolução cultural que se fazia numa região com muito potencial.

TI – Ao mais alto nível, teria a União Europeia disponibilidade para abrir mão de um tema puramente intergovernamental – a política monetária? Permitiriam que a criação de uma moeda local acontecesse?

FG - Os Tratados não estão concebidos para haver esta possibilidade nem a Comissão Europeia está direcionada para esta temática. Isto avança muito mais rápido se os próprios municípios ou regiões se organizarem para criar a sua moeda local. Falei com o Comité das Regiões e estão disponíveis para ajudar alguns municípios, e há diversas organizações e cientistas que ajudariam também, caso haja vontade

TI – Veio aos Açores numa espécie de tour que tem feito pelo país para apresentar o documentário e alertar para esta temática. Tem sentido boa recetividade?

FG – Os meios de comunicação social têm uma recetividade muito maior cá que no Continente. Lá choca muitas vezes com as grandes agendas. Em termos de população, existe uma grande barreira: a maioria das pessoas não conhece a matéria, dai eu estar fisicamente nos locais, para partilhar o documentário.

TI – Defende muitas causas. Além do RBI, a título de exemplo, foi um dos 60 eurodeputados a pedir a abertura de corredores humanitários para afegãos, quando da tomada do poder pelos talibãs. Sente sensibilidade dos decisores políticos para se tomarem as medidas sociais, económicas, ambientais e humanitárias que mudem o paradigma e evitem o colapso ambiental e social?

FG – Quando entrámos para o Parlamento Europeu, havia o prenúncio de que a UE iria acabar, no seguimento do Brexit. Depois veio a pandemia e criamos novos mecanismos financeiros para as economias, capacitação de haver empréstimos e dinheiros injetados diretamente. Estáse a debater a possibilidade de criar novos recursos dentro do Quadro Financeiro Plurianual. Estamos agora unidos em travar este avanço militarista da Federação Russa. O que vemos é que, havendo ímpeto e vontade, as coisas acontecem. Não nos podemos é esquecer que são 27 Estados-membro, a própria UE não fala a uma só voz: temos o PE (Parlamento Europeu) normalmente muito mais progressista, a Comissão mais de mediação e o Conselho muito conservador. Estas dinâmicas acabam por atrasar as expetativas. Quanto mais se falar da Europa, quanto mais se esclarecer e perceber que, apesar de tudo, ainda somos um farol de democracia e exemplo para muitas regiões, mais conseguimos melhorar e ter um debate mais aberto e transparente sobre estas matérias. 

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